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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A VIDA EM S. TOMÉ

A vida é realmente engraçada….Os hábitos que tinha por certos, já não o são. O facto de deitar-me tardíssimo em Portugal (cerca das 24h – 01h – ou mais tarde) e levantar-me o que achava cedíssimo (7h30!)... fazer as minhas refeições a horas comuns, tomar o meu banho em horários determinados… ir de carro para fazer menos de 1km… sair quase todas as noites… passar horas na Internet, não conseguir estar sem telemóvel…
Agora?? Agora… Tudo é… algo que devia achar loucura, (mas para mim será normal!) ter fome às 11h30 e, oferecerem-me “rancho” (arroz com feijão vermelho e pedaços de peixe andala – o peixe-carne) e, eu simplesmente comer, fazer quase 5km ou mais a pé por dia sem dar por isso, não ter energia eléctrica, não ter água canalizada, não ter televisão… não saber noticias nenhumas, não ter doces ou café expresso, não ter… bem não ter… tomar banho e não me besuntar de creme hidratante (e ter um pele suave! Estraanho! Entrava em pânico quando não colocava cremes no corpo!)… lavar os dentes com meio copo de água… mas não entendo, pois não cheiro mal! Acho eu… pelo menos ninguém se queixou, “ainda” O que não me habituo é ao banho… água fria… grrrrr!! Traz-me duas lembranças muito pessoais… mas que sempre me fazem rir aquando do banho. Vantagens: estou tonificada fisicamente e psicologicamente. No meio disto tudo tenho tempo para estar e encontrar. Faço o que mais gosto e sem sacrifício. Por Amor da Santa… é estranho. Falta (quase) tudo e sinto-me feliz. Completa! Não estou no pior de África… mas na Europa, em Portugal… isto é considerado NADA!!
 
Acabei de ler um livro engraçado, pois não há Internet nem televisão, e ler, bem já vão seis livros… vou sentir falta deste tempo… voltando ao livro: “Tinha Rosto e Palavras de Homem” de Fernando Armellini e Guiseppe Moretti, como é de calcular fala de Jesus… e relata como Ele era Homem. Neste livro entendi que, em São Tomé, aprendi o chamado: caminhar! “Caminhar não é apenas um acto mecânico; é opção, é procura e é orientação. Caminhar não é simplesmente dar um passo e depois outro; é ir em direcção a alguém ou a alguma coisa. É entrar na realidade que
nos rodeia, é abeirar-se dela e conhecê-la. Saber por onde ir, escolher por onde andar e onde parar é sabedoria. Um dos defeitos do homem moderno é que não caminha, desloca-se. Transporta-se em meios velocíssimos (carro, comboio e avião) que lhe permitem percorrer longas distâncias em tempos muito breves, mas que lhe tiram a oportunidade de encontrar pessoas e de ver coisas. A sua pressa fá-lo cruzar com muitíssima gente, mas impede-o de se aperceber dos sentimentos que os seus olhares reflectem; fá-lo ver florestas enormíssimas, mas não lhe permite ver o esplendor de cada árvore nem a vida que se esconde nos seus ramos.” Aqui, parei! Simplesmente, parei. E, aprendo. Os santomenses ficam a olhar para mim com um ar de quem não entende nada, quando acho fascinante o céu, porque tem imensas estrelas, porque acho brutal o tamanho das árvores… gigantes… bem… começo a olhar com olhos de ver.
Não só estas coisas visíveis aos olhos são realçadas em mim, mas tantas coisas que eu pensava conhecer… e estava tão enganada. Como era pequena, pequeníssima e não sabia! Bem no Sábado fiquei felicíssima pois consegui que o Land Cruise chegasse aos 90Km/h. Ui. Ui!! Essa é a velocidade que atravesso a Rua do Jardim… Bem… Por amor da Santa… a velocidade média em São Tomé deve ser 30km/h… por isso… já sentia falta de ver as árvores passarem com mais velocidade por mim! A vida começa a parecer completamente normal, mas as pequenas coisas começam a ser significativas… o meus “pimpolhos” já me obedecem… conseguimos trabalhar. Começo a ver progressos… ah! A minha baba caiu… não imaginas o quanto isto me alegra, cada vez que saio da sala de aulas sem ter precisado gritar… o facto de eles chegarem à escola e simplesmente dizerem: “Bom dia, Rafaêlha”, claro que dando a sua mão para um cumprimento… já dizerem “obrigado” e “posso”, sem eu dizer que o têm de dizer. Os miúdos (graúdos) da catequese, abordarem-me na rua para justificar porque não foram à missa, ou a isto ou aquilo, ou simplesmente falarem-me da catequese e da experiência que os marcou, tentando relacionar os acontecimentos da vida deles com as “migalhas” de ensinamentos catequéticos que tento semear. O fim de semana é sempre chato como tudo… este, como choveu (Ah! Já chove todos os dias… é a época das chuvas… e como chove… o melhor calçado é sandálias ou havaianas, a melhor roupa: calções! Brutal! Que calor!) não fomos à praia fomos visitar Roças: Agostinho Neto, Ribeira Funda e Graciosa. As Roças eram tipo fazendas onde existiam hospital, escola, igreja, fabrica… tudo… construções coloniais lindas, mas abandonadas e danificadas. Bem, “inocentemente” os santomenses não souberam aproveitar a divisão das Roças. É um mundo lindo, tipo de conto de fadas… mas com uma marca dolorosa para quem olha de fora.
Eles são felizes. O passeio estreita laços… os passeios… criam amizades e conhecimentos. Á duas semanas chegaram três postulantes que estão em Formação em Angola: Ricarnilda e Sara, Guineenses e Neide, Santomense. Minha Santa Mãe… que pessoas… que laços… que amizade! Doces. Uma experiência engraçada, pois fui eu que as fui buscar ao aeroporto, e trouxe-as para Neves, fui com elas à praia, passeei na cidade, passeamos este domingo… e já se fazem planos… elas irão começar o noviciado em Dezembro, e ficaram por Angola cerca de 3 anos. Comparamos vidas e experiências. Sonhos. Ena. A vida brinca com o tempo. E, os dois… gozam-me! Bem… nada de especial… mas gestos pequenos de delicadeza, de carinho, respeito e gratidão são demonstrados segundo a segundo. Não faço nada à espera de recompensa (nem que seja um sorriso!), mas é muito agradável ver que eles dão valor à minha presença… Há tanto a fazer, e tanta gente a desejar ajuda. Lembá não é um paraíso de gente pobre que quer ser ajudada. Há muitos que não querem ser ajudados, e nem permitem aproximação, afastando-nos… mas muito há a fazer. O tempo?? Esse, tem vindo a “dar-me uma grande tanga”! Gostava (precisava) de mais tempo… nunca nada ficará totalmente completo… mas gostava de ter mais tempo! Não vim cá dar nada, nem deixar marcada a minha passagem… mas eu sim… levo imensas dádivas e muitas marcas. Eu aprendi a estar, ser e amar. Conhecimentos que não se ensinam, mas se vivem… Não regressarei a Portugal “completamente completa”, mas regressarei a saber que tenho muito a aprender. Regressarei fortalecida. Regressarei…

Por Rafaela Gonçalves, Quarta-feira, 10 de Novembro de 2010 às 23:51

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