Leonard Cohen foi um grande teólogo deste tempo. Afirmá-lo não é a cedência fácil à comoção da sua partida. Reconhecê-lo é, antes, sublinhar um dos traços que fizeram dele, como bem anotava o seu epitáfio no Twitter, um "visionário" na música contemporânea. E não é um lapso que o considere precisamente teólogo. Porque a religiosidade da sua música vai muito para lá das referências bíblicas, espirituais e transconfessionais com que se tece a sua lírica. Porque o eco de Deus na sua obra afina-se com esse diálogo, mas nasce antes e vai mais longe. Nasce de uma inquietude perante a vida que não se sabe dizer sem Deus. E chega à hipótese de um divino ferido, amigo, portanto, do percurso acidentado de Cohen e também de todos os que têm de lutar para crer. Dir-se-ia que a gravidade do seu timbre foi feita para a gravidade do que ele canta. O casamento nele entre voz e palavra não poderia ter sido mais indissolúvel e fecundo.
Sabemos que, historicamente, as Igrejas, tal como os Estados, partidos e ideologias, tiveram dificuldades com os artistas, porque de vez em quando eles fazem e dizem coisas que não estavam no programa, e seguem por caminhos que talvez não fossem os mais ortodoxos, ou mais justos, segundo o entender de quem o diz.
Cantando e escrevendo, Cohen pensou, desabafou, rezou, amou. Sempre com aquele jeito cavalheiresco cultuado noutras eras. Porque assim era, um gentleman em palco e fora dele. Honrou assim o nome que celebrizou. Foi kohen, isto é, sacerdote, fazendo das letras e da música como que um santuário. Porque a forma mais recorrente de Deus na sua obra será mesmo a da invocação. E também assim se faz e fez teologia. Não apenas falando de Deus, mas falando a Deus.
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