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Sabemos que o sacerdócio em que estamos investidos não é fruto do nosso esforço, resultado automático de um curso académico que nos capacita para um qualquer «emprego». O sacerdócio é dom e muito mais que um simples dom vulgar: é uma espécie de simbiose que o Senhor estabelecer connosco e, como tal, nos transforma num alter Christus, um prolongamento do seu «sumo e eterno sacerdócio» (cf Hb 7, 20). É o intuído já na primeira leitura, do Livro do Deuteronómio: “Se o Senhor Se prendeu a ti […] foi porque te ama” (Dt 7, 7-8). Sim, o Senhor “prendeu-Se” a nós para dar firmeza à nossa condição de “vaso de barro” (2Cor 4, 7) e, por nosso intermédio, exercer o seu sacerdócio em favor de todo o povo.
É forte a expressão “o Senhor prendeu-se a ti”. Dá a ideia que Ele como que depende de nós. Mas não é de espantar. A mesma leitura fornece a chave de interpretação: o povo escolhido é aquele sobre o qual repousa o amor de Deus. E o amor, quando é puro, leva ao serviço do outro e não ao seu domínio. Leva ao prendimento. De alguma forma, é quanto exprime o refrão do salmo responsorial: “A bondade do Senhor permanece eternamente sobre aqueles que O amam”.
Porém, como se afirma na segunda leitura, implícita nesta afirmação está também uma tarefa, comum a todos os crentes, mas como que identitária da essência do sacerdote: fazer com que todos descubram, assimilem e vivam a fonte do amor verdadeiro, que é Deus, pois “Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele” (1Jo 4, 16). Eis aqui o mistério dos mistérios, para cuja função entra o sacerdócio cristão como des-velador ou des-vendador –o que retira as vendas dos olhos que não deixam ver- para que a humanidade “encontre descanso” no suave jugo do amor de Deus, descobrindo-O em Jesus Cristo, já que “ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27), como nos garante o Evangelho.
Senhores Padres, se quiséssemos sintetizar toda esta doutrina poderíamos dizer somente: Deus ama-nos e quer que todos saboreiem este amor. É para onde nos remete a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. E quando a Igreja, a partir do Papa São João Paulo II, a associou ao clero e à sua sempre necessária santificação, quer lembrar-nos que a redenção do mundo, da qual somos co-participantes indispensáveis, é uma obra de amor que vive do amor e aponta para o amor. Por isso, aí está o Coração de Jesus, como grande símbolo, simultaneamente, do amor e do sacerdócio.
Ora, constituímos aquela que poderíamos definir como “Diocese do coração” e, consequentemente, do amor. Um leigo, o rei D. Pedro IV, quis que o seu coração repousasse para sempre na igreja onde ia à Missa e a outros atos religiosos; uma freira que fixou residência nesta cidade, a Beata Maria Droste –tão devota deste mistério que até mudou o nome para Maria do Divino Coração- a partir daqui, obteve do Papa Leão XIII a consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus, acontecimento que o mesmo Papa definiu como “o ato mais importante do meu pontificado”; o Venerável Padre Américo Aguiar é habitualmente definido como um “homem de coração grande e generoso” e, por isso, saiu de si para ir ao encontro dos que mais precisavam, o que ficou na memória perene da região e do país; e o meu direto antecessor, o senhor D. António Francisco dos Santos, era um bispo de tal afetividade que o coração se tornava pequeno para alimentar tanta simpatia e, por isso, teve de prescindir dele. O mesmo poderia dizer do Venerável D. António Barroso e de tantos outros. Um leigo, uma religiosa, um padre e um bispo: eis uma espécie de representação da diversidade do povo de Deus desta Diocese, a tal “Diocese do coração”.
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