Não conheço melhor iniciação ao infinito do que a experiência da leitura, e da leitura bíblica. Os comentadores judeus do Antigo Testamento estavam convictos de que para cada passo da Torá existiriam 49 possibilidades de interpretação. Quarenta e nove é o resultado da multiplicação de sete por sete, e sete é o símbolo do infinito. Por isso, a própria leitura da Bíblia pressupõe sempre uma hipótese de infinito. Para não falar da sua natureza de Palavra associada de modo único à Revelação de Deus. Infinito é também a tarefa que o leitor da Bíblia sente, não raro, ao tomar contacto com o texto. Por outro lado, esta atracão mostra-nos que precisamos de uma iniciação ao mundo textual que nos está à frente. Não basta que nos coloquemos a ler a Bíblia: necessitamos de uma hermenêutica, simples ou complexa que seja. A Palavra bíblica é uma janela, um espelho, uma fonte, uma luz, e em cada uma destas modalidades ela é imprescindível não só para a construção do caminho crente, mas também para o crescimento cultural.
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Mais do que um livro é uma biblioteca: pode ser lida como cancioneiro, livro de viagens, memorial de corte, antologia de orações, cântico de amor, panfleto político, oráculo profético, correspondência epistolar, livro de imagens, texto messiânico. E, ligada a esta humana palavra, a revelação de Deus. Cipriano (200-258) dizia: «Se na oração falamos com Deus, na leitura Deus fala connosco». Jerónimo (347-420), escrevendo a um discípulo, recomendava: «Nunca afastar a mão do Livro e não desviar dele os teus olhos». Cassiodoro (490-583), referindo-se à farmácia da “lectio”, escrevia: «Como um fértil campo produz ervas odorosas úteis à nossa saúde, assim a “lectio divina” oferece sempre uma cura para a alma ferida». E é ainda uma imagem campestre a que serve a João Damasceno (675-750): «Batamos à porta desse belíssimo jardim das Escrituras».
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