Num lar, dezenas de idosos ficaram sozinhos depois de o vírus ter matado um hóspede, contagiado outros, e ter mandado o pessoal para a quarentena. Nos últimos meses, ao acompanhar no hospital uma nonagenária, vi de perto o que significa ser-se velho, só e doente. Numa sala de emergência no centro de uma grande cidade, poucos dias antes da epidemia, muitos, sozinhos, chegavam de noite, de ambulância. No corredor, uma fileira de macas. Alguns estavam ali há 24 horas, não tinham dormido nem sequer comido.
Se penso naqueles rostos brancos, de cabelos desgrenhados, nos chamamentos a que um único enfermeiro de turno não conseguia responder, posso vagamente imaginar como será com aqueles idosos completamente abandonados no lar.
Naquela mesma noite, uma doente pediu-me para lhe escrever num papel o seu nome e morada, porque temia esquecer-se. Outra chorava porque as necessidades lhe escapavam e ninguém a levava à casa de banho. Um homem tinha sede, e um de nós, desconhecidos, levou-lhe água. O Covid ainda não tinha chegado, mas aqueles pobres não tinham os filhos ao seu lado. Os seus gemidos pareciam-me um coro de envelhecidos bebés, impotentes como lactantes. Temo que hoje, num qualquer lugar, aquele coro dilacerante se repita.
Há anos, num lar, uma idosa só, num banco, perguntou-me, olhando-me com os olhos de uma candura infantil: «Senhora, sabe quando é que a minha mamã me vem buscar?». No limbo da demência, alguns esperam pela mamã, que tarde, mas seguramente, as virá buscar, como na escola, em remotas manhãs. E no inferno do Covid penso nas pessoas perdidas na demência, que esperam pela mamã. Que esperam aquela mão amada que as conduza, finalmente, a casa – à nossa verdadeira casa.
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