1.ª– 4.03 – Centro Paroquial de Valadares
Nesta quaresma as duas Paróquias vizinhas, de Vilar do Paraíso e Valadares, por força da circunstância de serem conduzidas pelo mesmo pastor, podem usufruir das catequeses quaresmais que, na paróquia de Vilar do Paraíso já fazem, há algum tempo, parte da agenda da vida da Paróquia no período quaresmal. É uma oportunidade local de formação e reflexão que podemos e devemos aproveitar. Acrescendo, ainda, o facto de permitir compartilhar recursos e alargar a convivência e melhor conhecimento intercomunitário.
A primeira aconteceu no p.p dia 5 e teve lugar no Centro Paroquial de Valadares (a 2.ª acontecerá no Centro paroquial de Vilar do Paraíso e a 3.ª será no Seminário da Boa Nova).
O tema foi a morte e o morrer, cultura e sociedade, pastoralmente. É um tema que, a priori, não seria apelativo para ir ouvir na noite de um dia que se tinha apresentado chuvoso, frio e de neblina.
Mas, pelo emolduramento humano da sala, naquela noite, cremos que o orador não terá ficado dececionado com a audiência.
O Pe José Nuno, nesta matéria tão difícil de abordar tem já créditos firmados e audiência assegurada. É um estudioso do tema e tem uma vasta e intensa experiência de observar bem de perto a fase do fim da vida de muitos e a envolvência, ou falta dela, familiar. Pois foi capelão do Hospital de S. João durante largo período, estando atualmente ligado à Pastoral da Fragilidade, no Santuário de Fátima e sendo assessor diocesano para a Pastoral da Saúde. Também a morte foi o tema da sua tese de doutoramento e, ainda, ministra a disciplina de Antropologia Médica na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, entre outras funções por si desempenhadas relacionadas com este seu profundo conhecimento.
E naquela noite falou-nos e pôs em evidência aquilo que não tínhamos ainda dado conta com tal crueza e clareza, porque é tema que gostamos de manter à distância.
Então dizia-nos que, atualmente, estamos a assistir e a viver a primeira era pós-mortal da História.
Isto é, na evolução do homem, que levou milénios, sempre a morte foi integrada na vida, através de variados modos como se relacionou com a morte e o morrer. Sempre houve lugar para morrer e o lugar para morrer sempre foi nas mãos dos seus, na casa onde nasceram e onde viveram.
Dizem os mapas das estatísticas que em 1970 mais de 60/% morriam em casa. E a partir de 2010 mais de 60/% morrem nos hospitais. No espaço de uma geração perdeu-se a integração do luto na vida.
Os hospitais tornaram-se lugares de morrer, mas não têm lugar para morrer.
Porém, a morte é a questão mais determinante da vida. É a forma como eu vejo a morte que dá sentido à minha vida.
A morte não é um acidente biológico, é antes o complemento da vida. A morte é o chegar ao fim de si mesmo. Nós fomos expropriados da nossa morte.
E nós, cristãos, estamos a falhar a História, porque não estamos a ver este fenómeno de inversão das práticas da morte na sociedade. O facto de termos transferido a morte das mãos das famílias para as instituições manifesta uma grande incapacidade de olhar para a morte e de estar com os mortos. Houve transferência do local da morte e simultaneamente a negação do lugar de morrer.
Esta transferência deu-se também porque com a criação do SNS muito mais pessoas passaram a ter acesso a cuidados de saúde no final das suas vidas, mas não tivemos ainda a capacidade para descobrir uma nova sabedoria para integrar e humanizar a morte.
Hoje há filhos que acham que acompanhar um familiar na morte é trabalho para os profissionais da instituição, e reivindicam tal como um direito, adveniente do pagamento de impostos ao Estado. E quando um filho não consegue perceber que o acompanhamento na morte dos pais é diferente do acompanhamento dos profissionais da saúde está consumada a perversão da morte e do morrer.
Esta é a sociedade pós mortal. Saíram da nossa relação as pessoas que morrem. A morte está apagada da sociedade e o principal fator de desumanização da pessoa é a negação da morte.
Apagámos a sabedoria do acompanhamento dos que morrem. Estamos sem palavras, sem rituais. Estamos de costas para a morte. Mas para dar sentido à minha morte tenho que pensar nela. Tenho que lhe dar sentido. Ou consideramos a morte no horizonte da vida ou nos iludimos sobre a vida.
Se a morte está longe de mim, afastada da minha consciência, eu não me sinto mortal. Só na medida em que me sinto mortal Cristo me interessa. Cristo é único, porque com a Sua morte abriu um Caminho para a Ressurreição.
CR
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